Bruna Dealtry tem 31 anos e desde que se entende por gente ama esportes. Começou aos dois anos de idade fazendo natação, depois fez caratê e, aos nove, começou a praticar vôlei de praia até tornar-se jogadora profissional da modalidade. Disputou em competições nacionais e internacionais, e viajou para a Turquia, onde ficou um mês jogando. Nesta época, resolveu criar um blog para contar suas experiências por onde passava e curiosidades, já que vôlei de praia não tem tanto espaço na mídia. Da paixão pelo esporte, surgiu a paixão por contar histórias. Foi quando decidiu entrar para a faculdade de jornalismo. Sua carreira como jogadora profissional durou até os 25 anos, mas sempre soube que levaria o esporte para o resto de sua vida. Hoje, Bruna é repórter no canal Esporte Interativo.
– Eu comecei a estudar jornalismo enquanto eu ainda jogava e, em 2012, tiveram as Olimpíadas de Londres, quando vi que eu não ia conseguir ser uma atleta olímpica. Aí eu migrei, comecei a fazer prova para estágio, passei para o Esporte Interativo e comecei essa transição totalmente dentro do esporte. Esse sempre foi meu foco.
Bruna continua jogando vôlei de praia, “mas agora brincando”, e está treinando para correr uma meia maratona. Faz treinamento funcional para fortalecer os músculos ou qualquer outro exercício, pois não consegue ficar parada.
– No meu tempo livre, o que mais gosto de fazer é ficar com meu marido [o atleta Thiago Barbosa, jogador de vôlei de praia] e com meus animais, uma cachorra vira-lata, um gato que eu acabei de adotar e duas calopsitas. E também amo praticar esporte e fazer exercícios.
Recentemente, a repórter foi vítima de assédio enquanto trabalhava. Ela entrevistava a torcida do Vasco quando, sem sua permissão, um rapaz a beijou na boca.
– O futebol é realmente um ambiente muito machista e, no jornalismo esportivo, em geral, a gente sente isso no dia a dia: nos estádios, nos clubes, em alguns momentos a gente sente um tratamento diferente. Isso acontece, principalmente, quando você está começando. Depois, é claro que as pessoas vão confiando no seu trabalho e você consegue entrar com mais facilidade nos lugares e ser melhor recebida, mas é um ambiente muito machista. Eu já tinha sofrido com isso de outras formas. Por exemplo, eu faço algumas entradas ao vivo no Facebook do Esporte Interativo contando como é que está o treino de algum time ou pré-jogo e, nos comentários, nas redes sociais, eu via muitos comentários do tipo “linda” e “gostosa” ou “ah, você é mulher, vá lavar louça”. Ou seja, as pessoas estavam ali olhando a minha aparência e não o que eu estava falando. Então nas redes sociais eu via muito isso, mas presencialmente eu nunca tinha sofrido, foi a primeira vez.
Bruna conta que se sentiu muito mal, mais do que imaginava. Ela se sentiu humilhada e exposta. Ela decidiu desabafar sobre o assunto nas redes sociais e conta que recebeu total apoio dos colegas de trabalho e do seu chefe.
– Eu me senti tão frágil naquele momento que eu tive necessidade de desabafar. Eu já vi muitas discussões até mais agressivas sobre o assunto, mas não é o meu perfil. A minha intenção foi mostrar como eu me senti para tentar atingir o maior número de pessoas possível. Eu queria que as pessoas realmente entendessem que isso não é normal, não é para acontecer, não é uma brincadeira. E a repercussão foi até bem maior do que eu imaginei.
Do objetivo de encorajar outras mulheres a não se calarem, surgiu a campanha Deixa Ela Trabalhar. Tudo começou após o episódio ocorrido com a repórter, quando suas colegas de trabalho Taynah Espinoza e Aline Nastari perceberam que chegou a hora de fazerem alguma coisa, porque os assédios não param de acontecer. A própria Aline havia sofrido situação semelhante mas, na época, sentiu vergonha de falar sobre o assunto e só agora disponibilizou o vídeo para ser usado na campanha.
– Falar sobre o assunto é o caminho que a gente acredita ser melhor, até porque somos jornalistas, a gente trabalha com palavras, com comunicação. É nossa forma de manifestar. Criamos um grupo no Whatsapp e, se no começo eram 10 meninas, hoje já são mais de 70. A gente começou a criar um texto, discutimos muito sobre qual o melhor formato e palavras para este texto, quem falaria qual frase. Eu abro e fecho o vídeo porque foi a partir do episódio que aconteceu comigo que desencadeou toda esta situação, mas muitas profissionais incríveis participaram – explica Bruna.
A ideia era que o vídeo representasse todas as mulheres que sofrem com o assédio no dia a dia, nas ruas, nas suas mais diversas profissões. O vídeo foi a primeira ação da campanha, que promete muita coisa por vir.
– A gente decidiu que não vai mais deixar de falar. Nós mulheres também temos alguns pensamentos machistas ainda, porque nossa sociedade é machista, e essa desconstrução ainda vai levar um tempo. Mas eu acho que este primeiro passo, de a gente falar abertamente sobre o assunto e mostrar que isso incomoda já vale muito. Eu acho que isso já faz muita gente repensar. E, quando as pessoas repensam, faz tudo valer a pena.